A Câmara aprovou nesta terça-feira, por 370 votos favoráveis a 110 contrários, o projeto de lei Antifacção. O texto é de autoria do governo, mas foi relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), de oposição. A iniciativa traz penas mais duras para os crimes cometidos por facções, com penas de até 40 anos de prisão, e determina a criação de novos instrumentos para combater as facções, como a criação de um banco de dados com a identificação de todos os grupos.
Agora, a iniciativa segue para o Senado, onde deve ser relatada por Alessandro Vieira (MDB-SE), de acordo com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
Veja os principais pontos do projeto:
Organizações criminosas e facções
Como é hoje:
- As organizações criminosas são tratadas por uma lei específica.
- Crimes violentos ligados a facções, como explosões, ataques coordenados ou domínio territorial, precisam ser enquadrados em artigos esparsos do Código Penal, da Lei de Drogas ou, em raras situações, na Lei Antiterrorismo.
- Não existe um marco único voltado a facções criminosas.
Com o projeto:
- Surge uma lei própria para grupos “ultraviolentos”, milícias e paramilitares.
- O texto centraliza definições, condutas e penas em um único marco — estruturando o que hoje está disperso em várias normas.
Aumento das penas
Como é hoje:
- O crime de organização criminosa tem pena de 3 a 8 anos (Lei 12.850).
- Outros crimes cometidos com frequência por facções (explosão, incêndio, bloqueio de vias etc.) têm penas menores e variáveis conforme o Código Penal.
- As penas não são unificadas num só tipo penal.
Com o projeto:
- Penas passam a oscilar entre 20 e 40 anos, podendo chegar a 66 anos para lideranças com agravantes.
- Todos os crimes definidos no projeto são considerados hediondos.
Cumprimento da pena e progressão de regime
Como é hoje:
- Para crimes hediondos, os percentuais de progressão de regime dos presos variam conforme primariedade (se já cometeu ou não crimes anteriormente), resultado e legislação aplicável.
- Em geral, os percentuais são menores do que os que o projeto passa a exigir.
- É possível livramento condicional — mecanismo que antecipa a liberdade do condenado — em alguns casos.
- Transferência de presos para presídio federal depende de decisão judicial específica.
Com o projeto:
- Progressão pode exigir 70%, 75%, 80% ou 85% do cumprimento da pena em regime fechado, conforme o tipo do crime e as circunstâncias.
- Não permite o livramento condicional em várias hipóteses previstas.
- Líderes e membros estratégicos cumprem pena obrigatoriamente em presídio federal.
Confisco de bens antes da condenação
Como é hoje:
- A regra geral é que o perdimento definitivo exige condenação ou ação civil específica.
- Existe a “perda alargada”, mas também depende de processo e comprovação judicial.
- O confisco prévio é limitado e geralmente provisório.
Com o projeto:
- O juiz poderá decretar o perdimento definitivo ainda no inquérito, quando houver risco de dissipação e indícios de origem ilícita.
- A amplitude do confisco aumenta (criptomoedas, ativos digitais, empresas etc.).
Papel de Receita e Banco Central
Como é hoje:
- Receita Federal e BC têm regras próprias de perdimento administrativo (leis aduaneiras e regulatórias).
- Há discussão jurídica quando medidas administrativas e judiciais se sobrepõem.
Com o projeto:
- O texto deixa expresso que as medidas do projeto não anulam o perdimento administrativo já previsto nos regulamentos dos órgãos.
- Garante continuidade da atuação da Receita e do BC mesmo com processos judiciais paralelos.
Destinação dos bens apreendidos
Como é hoje:
- O destino dos bens depende da legislação aplicada (Lei de Drogas, Lei do Crime Organizado, legislação de lavagem etc.).
- Não existe um sistema único específico para facções.
Com o projeto:
- Quando a investigação for estadual, os bens irão para o fundo de segurança do estado ou do DF.
- Quando houver participação da Polícia Federal, a parte cabível irá para o Fundo Nacional de Segurança Pública — e não mais para o Funapol, como previa versão anterior.
- O projeto cria um esquema padronizado de repartição
Tribunal do Júri
Como é hoje:
- Todo homicídio doloso é julgado exclusivamente pelo Tribunal do Júri, sem exceção.
- Mesmo homicídios ligados a facções seguem essa regra.
Com o projeto:
- Homicídios cometidos no contexto dos crimes definidos no projeto serão julgados por varas criminais colegiadas. A justificativa para a nova regra é risco de intimidação de jurados.
Bancos de dados sobre facções
Como é hoje:
- Hoje há bases de dados como Infoseg e sistemas estaduais, mas não há um banco específico e unificado de integrantes de facções ultraviolentas.
- Não há uma regra nacional para compartilhamento dessas informações.
Com o projeto:
- Cria-se o Banco Nacional de Organizações Criminosas Ultraviolentas.
- Estados deverão criar bancos próprios que conversem com o nacional.
- A inclusão de CPF, CNPJ ou nome presume o vínculo da pessoa com a facção para fins investigativos.
- Haverá inelegibilidade para quem estiver incluído na lista.
Ação civil para perdimento de bens
Como é hoje:
- Ações civis de perdimento existem, mas são prescritíveis e seguem regras gerais.
- Exigem processo próprio e, muitas vezes, longo.
Com o projeto:
- É criada uma ação civil autônoma, sem possibilidade de prescrição, para perda de bens relacionados aos crimes do projeto.
- O Estado pode perseguir patrimônio por tempo indeterminado.
Medidas mais duras contra empresas
Como é hoje:
- Há possibilidade de intervenção judicial, mas com regras gerais e menos detalhadas.
- Bloqueios e suspensões dependem de fundamentação caso a caso.
Com o projeto:
- O juiz poderá: suspender atividades, bloquear transações, proibir movimentações societárias e intervir preventivamente em empresas suspeitas.
- Regras são mais detalhadas
Auxílio-reclusão
Como é Hoje:
- O benefício é pago seguindo critérios previdenciários, independentemente do crime cometido pelo segurado.
- A natureza do delito não impede o pagamento.
Com o projeto:
- Dependentes de quem estiver preso pelos crimes definidos no projeto não poderão receber auxílio-reclusão.
Audiência de custódia
Como é hoje:
- A audiência de custódia costuma ser presencial.
- O preso precisa ser levado ao fórum com escolta policial.
- Segundo o Ministério da Justiça, só em 2018 o deslocamento de presos — principalmente para audiências — custou R$ 250 milhões aos estados.
Com o projeto:
- A audiência de custódia será feita prioritariamente por videoconferência.
- A forma presencial só ocorrerá se o juiz justificar por escrito.
- Presídios deverão ter salas equipadas para isso.
Mineração
Como é hoje:
- A mineração não é um agravante para as penas aplicadas às facções.
Com o projeto:
- “Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica com a extração ilegal de recursos minerais ou a exploração econômica não autorizada, sem prejuízo das sanções específicas previstas na legislação ambiental e penal, de florestas e demais formas de vegetação, de terras de domínio público ou devolutas; ou de áreas de preservação permanente e de unidades de conservação” haverá um agravante que pode aumentar as penas de 1/2 (metade) a 2/3 (dois terços).
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Após a aprovação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que não é função da Casa “carimbar” o texto do governo.
– Diante do processo que vivenciamos, cabe ressaltar que a função do Parlamento não é carimbar um projeto que seja apresentado por alguma força política e passar adiante. O compromisso do Parlamento é debater as matérias e entregar a melhor versão possível.
Apesar disso, o presidente da Casa elogiou o relator e o governo pela participação nos debates sobre o projeto.
– A nossa legislação também não pode ter viés ideológico. Por isso, fico feliz de ver tantas autoridades de diferentes pensamentos contribuindo para esse projeto que será a maior resposta ao crime organizado no Brasil. Parabenizo o relator, deputado Guilherme Derrite, o governo federal pelo envio da proposta e todos os deputados e deputadas, que se empenharam para fazer valer o papel da Casa.
Antes de começar a condução da sessão, Motta enumerou os pontos do relatório:
– Esta será a resposta mais dura da história da Câmara dos Deputados no enfrentamento ao crime organizado. Nós estamos aumentando a pena, nós estamos criando novas tipificações de crimes, nós estamos dizendo que chefes de facções criminosas agora irão direto para os presídios federais, nós estamos dizendo que os seus despachos com advogados serão gravados e não terão visitas íntimas, nós estamos tipificando que crimes como novo cangaço, domínio das cidades, obstrução de vias, cooptação de crianças e adolescentes por facções criminosas passarão a ter penas até maiores do que tínhamos na lei antiterrorismo – declarou.
Apesar de o Poder Executivo ser o autor do projeto, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), orientou contra o relatório de Derrite por considerar que as mudanças desvirtuam a iniciativa.
Derrite é secretário licenciado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado como possível candidato da oposição à Presidência.
Em pronunciamento após a sessão, Derrite agradeceu a Hugo Motta, Tarcísio e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. De acordo com ele, Motta “ajuda a entregar hoje aquilo que será lembrado como o maior legado legislativo contra o crime organizado na história do Parlamento brasileiro”.
– Se hoje eu estou aqui nesta Casa relatando o projeto dessa magnitude é porque eu tive o apoio e a confiança de um grande gestor. O governador Tarcísio de Freitas. Foi ele quem me deu a oportunidade de me licenciar da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para reassumir aquilo que o povo paulista me entregou o meu mandato parlamentar – disse.
– Se hoje existe um secretário Derrite é porque lá atrás um presidente chamado Jair Messias Bolsonaro confiou a missão no Ministério da Infraestrutura a um jovem técnico e preparado, o ministro Tarcísio de Freitas – também declarou.
O relator apresentou seis versões da iniciativa. Diante do vaivém e da possibilidade de uma nova versão ser publicada, governo e bolsonaristas se mobilizaram para influenciar o relator sobre possíveis mudanças na análise dos destaques, que poderiam mudar trechos do relatório principal, mas não houve sucesso.
Governistas estão insatisfeitos com o papel que cabe à Polícia Federal (PF) e reclamam de questões relacionadas ao financiamento da corporação, enquanto parte da oposição queria a retomada da equiparação entre os crimes praticados por integrantes de facções com aqueles cometidos por terroristas.
Esses pontos reclamados pelo governo e pela oposição não foram plenamente atendidos pelo relator e os partidos tentaram mudar por meio dos destaques, que não foram chancelados pela Câmara.
– O governo vai encaminhar o destaque de preferência para o texto original do governo, que foi um texto compatível com a realidade de enfrentamento que precisamos ter com as facções criminosas no Brasil inteiro – disse Guimarães antes de começar a sessão.
Mesmo assim, a base do governo foi derrotada no destaque que retoma a íntegra do texto original. O PT apresentou ainda destaques para retomar trechos do projeto, mas também foi voto vencido.
Guimarães já havia anunciado que o partido do governo tentaria mudar alguns pontos.
– Se nós perdermos, nós vamos apresentar os destaques naqueles pontos que para nós são muito importantes. Como a questão do tipo penal, nós não abrimos mão da caracterização que é a facção criminosa. Temos que melhorar a redação dos fundos que são aplicados à segurança pública porque a divisão com os estados complica aquilo que já está na legislação atual. Terceiro, o perdimento, ainda que o texto tenha avançado naquilo que é fundamental, não esperar o trânsito em julgado, mas nós precisamos ter uma uma legislação muito dura para combater o crime e prender o criminoso – comentou
Por sua vez, a oposição pregou que os crimes de facções sejam considerados como terrorismo. O PL tentou incluir a equiparação ao terrorismo por meio de um destaque, mas a articulação foi barrada por Motta, que apontou que se tratava de matéria estranha ao projeto.
– Há congressistas aqui que acham que o Rio de Janeiro não sofre terrorismo. Estados semi-independentes, com barricadas e com governos próprios, assumem o controle do município e do estado do Rio de Janeiro; 70% do município está ocupado por milícias e pelo crime organizado – disse o deputado Luiz Lima (Novo-RJ).
Derrite nunca chegou a apresentar um relatório que classifica formalmente as facções como terroristas, mas nos primeiros textos divulgados por ele haviam mudanças que equiparavam as penas do crime organizado às do terrorismo. Ao fazer isso, o texto também promovia mudanças na Lei Antiterrorismo.
Diante de resistências da base do governo, que temia intervenções estrangeiras e risco de afastar investimentos, Derrite recuou e decidiu não mudar mais nenhum trecho da Lei Antiterrorismo.
Fonte: Agência O Globo










