Sem alívio das tarifas americanas, ao contrário de outros setores produtivos do país, os exportadores de pescados reclamam de uma alegada falta de “prioridade” nas negociações do governo brasileiro com Washington. Desde agosto, quando o tarifaço entrou em vigor, o setor já deixou de exportar o equivalente a US$ 250 milhões.
Empresas do ramo relatam perda de faturamento e encolhimento da margem com a interrupção quase total de embarques para os Estados Unidos no período. Falam também de dificuldades para acessar o crédito emergencial anunciado pelo Executivo e de planos de demissões no setor caso o tarifaço permaneça.
“Foram 15 anos de trabalho de qualidade, de continuidade para a construção desse mercado para perdermos tudo por causa de um problema político”, lamenta Attilio Leardini, presidente da Leardini Pescados, de Navegantes (SC). A empresa exporta cerca de 60 contêineres de espécies da costa Sul brasileira, como corvina, castanha, gordinho, anchova e tainha, aos EUA por ano. Desde o início do tarifaço, foram enviadas cinco cargas. “O envio ainda foi acordado com o nosso cliente, rachamos o custo do tarifaço, só por uma questão de zerar o estoque e cumprir o compromisso”, conta.
O empresário ressalta a importância dos EUA para a rentabilidade dos negócios. As companhias brasileiras produzem cortes específicos para atender os americanos. Sem o mercado europeu desde 2017 e com o fluxo aos americanos pressionado pela sobretaxa de 50%, “o setor ficou à deriva”, diz Leardini.
“Estamos na mão de mercados que só compram commodities, o peixe inteiro, de baixo valor agregado”, afirma. A produção foi redirecionada para destinos menos rentáveis desde então, como África e Ásia, e houve impacto no lucro.
Segundo ele, a concorrência já aumentou e que cada dia fora do mercado americano aumenta a dificuldade para retomar a clientela. “Infelizmente perdemos esse mercado enquanto a Argentina e o Uruguai voltaram a trabalhar com os EUA com preços inferiores aos nossos”, relata.
A Cais do Atlântico, empresa com sede em Laguna (SC), viu o faturamento encolher 20% com o tarifaço americano. “Destinamos a produção para outros locais, mas a margem é muito inferior. Isso afetou praticamente 50% da margem de contribuição do negócio como um todo. Os itens que eu tinha de maior relevância eram para os Estados Unidos”, diz Jean Gonçalves, sócio-diretor da empresa.
Segundo ele, está no radar um corte de funcionários que trabalhavam em linhas de produção específicas para os EUA.
A Cais enviava seis contêineres por mês aos EUA e passou a embarcar apenas um a cada 60 dias com as tarifas. “Está realmente inviabilizado. Tarifa de 50% é uma sanção, não tem margem de suporte na operação”, diz Gonçalves. Há dificuldades também para manter os negócios com fornecedores, principalmente comunidades de pequenos pescadores e donos de embarcações.
Acesso ao crédito
As empresas catarinenses também relataram dificuldades para acessar a linha de crédito do Brasil Soberano, criada para aliviar a situação de setores afetados pelas tarifas de Trump. A Cais do Atlântico tenta obter R$ 35 milhões para bancar a estocagem da produção até a retirada das sobretaxas. Os bancos, segundo os empresários, têm exigido garantias adicionais que impedem, até agora, a liberação do dinheiro.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que opera a linha de crédito emergencial, informou que aprovou R$ 307,31 milhões em recursos do Plano Brasil Soberano para empresas do segmento de pescados afetadas pelas medidas tarifárias impostas pelo governo dos Estados Unidos. Segundo o BNDES, foram realizadas 36 operações: R$ 229,31 milhões na linha de capital de giro, destinada a custear despesas operacionais, e R$ 78 milhões na linha giro diversificação, para a busca de novos mercados.
A demanda total, protocolada em 43 pedidos de empresas de pescados, foi de R$ 380 milhões. “O BNDES não tem conhecimento acerca de exigências adicionais nas operações”, respondeu à reportagem.
Segundo Eduardo Lobo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), US$ 250 milhões já deixaram de ser vendidos para os EUA e 2,5 mil postos de trabalho já foram fechados por conta da sobretaxa de 50% sobre as cargas de peixes e frutos do mar enviados para os americanos.
“Se o governo efetivamente estava negociando as tarifas e tinha alguma influência, deixou os pescados para trás na negociação. Se o governo não estava negociando e não tem gestão sobre o que aconteceu, não tem culpa, mas também não tem que comemorar nada”, afirmou à reportagem. “Já pedimos prioridade demais e não fomos atendidos”, completou. Ele ainda mantém a expectativa de o setor ser incluído em uma próxima lista de exceções.
A entidade critica a falta de efetividade de políticas anunciadas para ajudar empresas afetadas. “As compras governamentais não existem. A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] não comprou nenhum estoque que ia para os Estados Unidos”, afirma. Consultados, Conab e Ministério do Desenvolvimento Agrário não responderam.










