Apesar dos anos de profissão, alguns casos ainda surpreendem, inclusive quem encara a violência todos os dias. Um deles foi protagonizado nesta quinta-feira (17), em Coxim, por um menino de apenas 10 anos, que ergueu as mãos para o céu, abençoou a delegacia e agradeceu pela prisão de seu pai. Você não leu errado. Ao deixar a delegacia de Coxim, o filho agradeceu pela prisão do pai, que agredia mulher e filho todos os dias.
Entre seus 267 artigos, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diz que toda criança e adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas, a opinião e expressão e primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias. E foi assim, pedindo socorro e buscando seus direitos, que um garoto de apenas 10 anos, denunciou ao Conselho Tutelar de Coxim as agressões e torturas cometidas pelo pai contra ele, sua mãe e seus três irmãos.
Por volta das 8 horas desta quinta-feira (17), o menino chegou desesperado a sede do Conselho Tutelar relatando que não aguentava mais a violência do pai Adairson Cleiton da Silva, de 32 anos. Ele foi ouvido pelas conselheiras e disse que logo cedo sua mãe havia saído para levar dois dos irmãos na creche e o pai, em um ataque de fúria estava espancando violentamente a irmã de 4 anos e temia que o próximo seria ele, como já era rotina na casa. Imediatamente, o garoto foi encaminhado para a Delegacia de Polícia Civil de Coxim.
À delegada Silvia Elaine Girardi dos Santos, o menino contou a desesperadora trajetória de torturas que marcaram a vida dele, de sua mãe E.V., de 27 anos, e de seus irmãos de 7, 4 e 2 anos. Em seu relato ele detalhou o dia em que levou uma “voadora” do pai e foi arremessado ao chão, data em que ganhou a cicatriz na cabeça.
Entre as memórias, o menino relembrou ainda as duas vezes em que o pai quebrou os dentes da boca da mãe e a ocasião em que ela serviu a mistura na mesa e o pai não permitiu que eles comessem. Como se não bastasse, em seguida despejou na terra o que sobrou, alegando que a mulher gestante só poderia comer arroz e nada mais.
Após o depoimento da vítima, a delegada também ouviu outros dois irmãos do menino e a mãe das crianças, que mesmo assustados confirmaram e denunciaram os fatos. Todos também foram atendidos por uma psicóloga que constatou as agressões físicas e psicológicas que vinham sendo praticadas pelo autor.
O mais difícil, para todos os profissionais envolvidos no caso, foi conter a emoção diante de tanta crueldade. Uma conselheira que acompanhava o caso, em determinado momento, teve de parar de acompanhar um dos depoimentos, pois não conseguiu conter as lágrimas.
Mesmo preso na cela da delegacia, Silva ainda conseguiu aterrorizar os filhos. Ao abrir a janelinha e ser avistado dois filhos entraram em desespero. A menina agarrou uma das policiais, implorando por proteção. Já o menino encostou na parede e começou a gritar insistentemente: “não deixem ele me pegar”.
Apesar de todo esse histórico, a família se sentiu livre pela primeira vez numa delegacia. Com o agressor preso, crianças brincavam, corriam e até sorriam em meio a tanta tristeza. O garoto mais velho, temendo que o pai fosse solto, pedia o telefone de todos a sua volta e perguntava se poderia ligar, caso o pai voltasse para a casa. Impossível negar o número para essa criança, que apesar da pouca idade carrega a responsabilidade de proteger mãe e irmãos.
Junto com a resposta positiva de todos ia o conforto ao menino, na esperança de que a Justiça seria feita, que o agressor pagaria por toda a violência cometida e de que permaneceria preso para alívio de toda a família. Além dos telefones de alguns profissionais, o garoto anotou telefones de emergência.
Vale ressaltar que vizinhos da família procuraram a delegacia espontaneamente e também confirmaram o histórico violento do autor contra mulher e filhos. Diante das constatações, Silva foi preso em flagrante, autuado por tortura e encaminhado para o Estabelecimento Penal Masculino de Coxim. Ele negou todas as acusações.
ediçaodenoticias- Angela Bezerra