spot_img
InícioAgroSetor rural acende sinal de alerta após Belagrícola pedir...

Setor rural acende sinal de alerta após Belagrícola pedir proteção judicial contra execuções

Empresa atende 10 mil produtores rurais em mais de 200 municípios do Paraná, Santa Catarina e São Paulo

A Belagrícola, uma das maiores distribuidoras de insumos agrícolas e tradings de grãos do Sul do país, ingressou neste mês com um pedido de tutela cautelar, buscando suspender execuções e criar um ambiente de negociação com credores diante de um passivo que supera R$ 3,8 bilhões. A ação tramita na 11ª Vara Cível e Empresarial de Londrina, criada recentemente para concentrar casos de recuperação judicial e falências em toda a região Norte do Paraná.

O pedido foi inicialmente protocolado em 6 de outubro pelos advogados da empresa, que solicitaram sigilo no processo, alegando que “os credores são mais rápidos que o Poder Judiciário” e poderiam adotar medidas que agravassem a crise antes da decisão cautelar. No dia seguinte, o juiz Emil Tomas Gonçalves deferiu provisoriamente o sigilo e determinou que o mérito fosse reavaliado após o ajuizamento da ação principal — o que ocorreu ainda em 7 de outubro, com a entrada do pedido formal por parte da Belagrícola e das empresas coligadas Bela Sementes, DKBR Trading, Landco Administradora e DBR Investimentos.

No pedido, o grupo afirma atender cerca de 10 mil produtores rurais em mais de 200 municípios do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, e sustenta enfrentar grave crise financeira após encerrar a safra 2023/2024 com receita líquida 39% inferior à anterior, resultando em prejuízo superior a R$ 400 milhões. Entre as causas apontadas, estão a quebra parcial da safra, a guerra entre Rússia e Ucrânia, a volatilidade das commodities, a queda acentuada nos preços de insumos e grãos, a alta dos juros e o aumento da inadimplência no campo.

O pedido cautelar foi feito com base na Lei nº 11.101/2005, que permite às empresas em dificuldade pleitear uma liminar de até 60 dias para suspender execuções e tentar compor acordos com credores antes de um pedido formal de recuperação judicial. A Belagrícola estendeu o pleito a todos os tipos de crédito — inclusive obrigações de dar, fazer, não fazer e entregar — e pediu que fossem abrangidos também os contratos com garantias fiduciárias e securitizações, que normalmente ficam fora do escopo da recuperação.

Entre os pontos mais delicados da ação está a situação de produtores rurais que já quitaram seus débitos com a empresa, mas correm o risco de serem protestados ou negativados. Isso porque parte das CPRs e títulos recebíveis da Belagrícola foi cedida a securitizadoras e instituições financeiras como garantia. A companhia reconheceu no processo que “produtores rurais adimplentes podem sofrer danos colaterais indiretos e injustos”, citando especificamente a Vert Securitizadora, credora de R$ 591,3 milhões.

Em 10 de outubro, o juiz deferiu parcialmente o pedido, determinando a suspensão por 60 dias das execuções já ajuizadas que envolvem créditos abrangidos pela mediação com credores, mas negou o pedido de sigilo total do processo e também a solicitação para impedir o protesto de títulos de produtores adimplentes. A decisão ainda ressaltou que a suspensão não alcança pedidos de falência nem impede atos constritivos já em curso por credores não sujeitos à mediação.

A Belagrícola recorreu ao Tribunal de Justiça do Paraná, e em 15 de outubro o desembargador Péricles Bellusci de Batista, da 18ª Câmara Cível, manteve parte da decisão. A liminar foi parcialmente ampliada para suspender por 60 dias, a partir de 7 de outubro, “medidas extrajudiciais coercitivas, executivas e expropriatórias” relacionadas a credores que participam do processo de mediação, além do vencimento das dívidas entre 7 de outubro e 8 de dezembro. Ainda assim, o tribunal manteve o indeferimento do pedido para impedir protestos dos títulos cedidos a securitizadoras, o que deixa margem para insegurança entre produtores e fornecedores.

A decisão trouxe novas dúvidas sobre o alcance temporal da medida, especialmente em relação a dívidas vencidas antes de 7 de outubro e às que vencem após 8 de dezembro. A indefinição preocupa produtores que venderam soja e milho à Belagrícola com preço fixado antes da data, mas ainda não receberam integralmente pelos contratos.

Segundo o advogado Raphael Condado, especialista em Direito Empresarial e Agronegócio, o caso revela um ponto sensível da cadeia produtiva: a fragilidade das revendas diante da alta exposição ao crédito e à oscilação do mercado.

“O cenário de juros elevados, margens apertadas e custos crescentes pressiona o capital de giro e amplia o risco de liquidez. Por isso, produtores precisam observar atentamente os sinais de instabilidade financeira de suas revendas”, explica Condado.

O advogado também chama atenção para as cláusulas contratuais que tratam de entrega de insumos e pagamento da produção.

“Antes de firmar contratos, é essencial avaliar se a empresa tem capacidade operacional e financeira para cumprir o combinado. Uma negociação com preço muito abaixo ou acima do mercado pode indicar desequilíbrio ou tentativa de antecipação de caixa”, afirma.

Condado avalia ainda que o caso da Belagrícola pode inaugurar um novo ciclo de ações preventivas no setor.

“A decisão judicial cria precedentes para que outras empresas do agronegócio busquem mediações prévias como alternativa à recuperação judicial. Mas também acende um alerta: a transparência e a governança financeira passam a ser fatores de sobrevivência no campo”, conclui.

spot_img
spot_img
spot_img
spot_img
spot_img
spot_img
spot_img
spot_img
spot_img